Eu tenho dificuldade em lidar com o novo. A novidade chega e eu a rejeito com meu ceticismo ou com meus argumentos pouquíssimo lógicos. Faço resistência, endureço.
Muitas pessoas ficam excitadas e animadas com as mudanças. Eu, pelo contrário, me entristeço. Desanimo. Retardo até onde posso. O novo me assombra. Eu desconfio até da novidade escancaradamente boa e feliz.
Há quem ame as alturas. Pessoas destemidas que alçam voos arriscados. Eu, em contrapartida, celebro as raízes. A estabilidade, a segurança. A calma. A profundidade. O mistério do que cresce em silêncio. Que nutre ainda que ninguém veja. Gosto deste espaço semi-invisível de existência. Atar vínculos. Expandir para servir de instrumento. Não tenho nada de espírito livre, selvagem ou aventureiro… eu gosto de permanecer. Para mim a grande jornada se faz para dentro - não é tanto sobre escalar montanhas perigosas.
Noto que às vezes celebram-se independências e liberdades que não compreendo bem. Como se o êxtase da vida fosse uma força ao redor de si mesmo. Eu, diferentemente, acredito na salvação que passa pelo cotidiano. As pequenas e simples coisas como joias de felicidade. A oferta de si como sentido de viver.
Talvez eu seja apenas um hobbit. E mesmo hobbits às vezes metem-se em aventuras. Vejam o velho Bolseiro e o jovem Frodo onde foram parar. É que há espaço para tudo em uma vida com sentido. Não a aventura pela aventura, não o mundo sob nossos pés… mas a vida com propósito. Em tudo amar e servir. Contemplar e agir. Princípios inacianos em que reconheço o meu amor por raízes, enquanto outros reconhecem seu amor pelo voo. Diferentes formas no mosaico da existência.
Parece que há em mim uma espécie de busca por uma estabilidade imutável, mesmo quando há algo de bom chegando. É isso que me faz pensar automaticamente “não” ainda que as novas propostas sejam notoriamente positivas. Às vezes estabeleço uma porção de diálogos internos. Eles funcionam como uma tentativa de convencer a mim mesma a permanecer no conforto do conhecido. Como se nesse conforto residisse qualquer segurança absoluta, qualquer certeza indubitável sobre o que quer que seja.
Pensando bem, as mudanças são promessas. Às vezes positivas, noutras podem parecer como o mito da caixa de Pandora. De dentro da caixa - ou do espaço vacante da novidade, como preferir - podem sair todos os males. Contudo, também é da mesma caixa que sai a esperança. Talvez isso nos ensine alguma coisa sobre como todas as situações têm seu lado bom e ruim.
As mudanças me parecem desejáveis - na teoria. Na minha imaginação elas tem a cor e o sabor daquela liberdade e alegria do recomeço. Na prática, elas me paralisam. Eu não as desejo. Eu até tento me enganar, especialmente naqueles casos em que me proponho a fazer algo novo com a expectativa de que as velhas portas desemboquem em novos caminhos. É nessa expectativa que programo viagens. Meu marido - ele me conhece bem - pergunta: “você tem certeza?”. Minto pra mim mesma, “claro, dessa vez vai ser diferente.” É que a nossa imaginação tem a capacidade de deixar tudo mais promissor. De que outra forma nos arriscaríamos?
É preciso coragem para sair do condado. Para admitir que há vida lá fora. Fora da nossa comodidade e das nossas certezas pessoais, do nosso estilo e da realidade tão comum da nossa vila. É preciso mais coragem ainda para pegar a estrada e provar a vida em sua amplitude. Às vezes é preciso que a mágica nos convide para essa peripécia: é preciso que um mago e um grupo de anões – entenda, a vida – bata em nossa porta e nos empurre, obrigando-nos a entrar na aventura; dizendo que somos necessários em uma missão específica e que, sem nós, sem aquilo que só a gente pode oferecer, algo no mundo irá fracassar.
É preciso ir, mas não sem nossa escolha e decisão. Por isso, ainda é preciso coragem. Coragem para ver a vastidão do mundo, para reconhecer a nossa pequenez, para lutar contra inimigos desconhecidos, para provar de alimentos novos, para conviver com seres tão distintos, para conhecer tantas realidades. Coragem para vencer nossos medos, para prosseguir nas dificuldades, para conhecer com mais minúcia quem somos, para descobrir e mostrar nossas fragilidades, pois só assim torna-se possível nos elevarmos. Coragem para lutar contra nosso maior inimigo: nós mesmos. E mais coragem ainda para nos vencermos.
É preciso coragem para nos surpreendermos. Para desviar do caminho que nos foi traçado, porque às vezes é assim que encontramos nosso próprio caminho, como Bilbo ao sair do caminho em Trevamata mesmo com todas as advertências de Gandalf e Beorn. E depois descobrir que desviar do caminho era a única forma de sair da escuridão da floresta. No fim, depois de tanto, voltar para casa. Para aquele lugar onde tudo começou, onde as coisas permanecem as mesmas, mas jamais iguais. Porque nós mudamos.
Posso até me meter em aventuras. Mas no fim das contas, permaneço aquele velho hobbit reclamando de todas as dificuldades que estão para além da ponte do Condado. Sonhando com meu café quentinho, com a minha rotina, querendo a minha poltrona há anos colocada no mesmo lugar defronte à janela, de onde posso ver as flores lilases que vibram suavemente ao sopro do vento.
Eu gosto mesmo do conhecido. Dos restaurantes em que já decorei o cardápio e dos quais conheço os garçons pelo nome. Das farmácias e supermercados em que sei até a ordem das prateleiras. Dos mesmos lugares, das mesmas pessoas, de tudo aquilo que já faz parte dos meus esquemas.
Mas a vida, ela não cabe nos meus arranjos. A pequena parte controlável dela - e, meu bom Deus, como eu gostaria que essa parte fosse maior - mal cabe nos meus cronogramas. Porque a vida, ela se insinua. É uma cotidiana novidade. Ela é a força invisível e providencial que tantas vezes me move a abandonar os meus esquemas. Ela é o impulso que me faz transbordar. Ela é a coragem que me faz seguir em frente.
Não ter controle sobre a vida, que estranho benefício. Se controlássemos todas as coisas, se vivêssemos encaixotados em um único círculo, seria um tolhimento da nossa liberdade; um definhar da nossa humanidade. No fim das contas, acho que estou convencida, faz bem abrir as janelas da casa, da vida, da alma. Nunca se sabe qual passarinho poderá pousar nela; ou o que se verá lá fora; ou se nos daremos conta de que, no fundo, talvez estivéssemos apenas vivendo no escuro.
Costumo desativar minha conta no Instagram para fazer um retiro pessoal e encontrar maior clareza e descanso. Sempre acho engraçado como as pessoas pensam que algo grave aconteceu. Lembro quando Bauman afirmou que não ter um profile é viver uma morte social.
Para encontrar o caminho a seguir é preciso silêncio, voltar-se para dentro de si e dar passos concretos. Quanto mais informações externas, maior a confusão e a paralisia.
Às vezes o melhor que você pode fazer para ajudar alguém é não se meter onde você não foi chamado.
A pediatra: pense em um livro que não dá vontade de parar de ler e cujo final é chocante. O livro desconstrói a imagem humanizada de uma médica pediatra, enquanto revela sua vida pessoal delirante.
Obrigada pela companhia no texto de hoje! A gente se encontra no próximo domingo <3
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Amei! Eu estava precisando ler essas palavras hoje... E obrigada pela indicação do livro! Dei uma lida na sinopse e achei muito interessante. Eu ainda não conhecia essa escritora!
Esse texto me descreve muito bem! Amei! Obrigada!